O 'Faturamento' na Ordem Tributária

O 'Faturamento' na Ordem Tributária

Hamilton Almeida e Milton Carlos Silva

Os contribuintes brasileiros sentem no bolso a carga tributária brasileira. Não obstante todo o peso dos tributos, ainda sofrem com o efeito em cascata de alguns abusos do fisco em sua voracidade para arrecadar.

Diante disso, precisamos lembrar que temos uma Constituição da República e que o texto magno é a única forma dos contribuintes se protegerem de alguma forma dessa voracidade.

A Receita Federal insiste em dar de ombros para o texto supremo, como podemos perceber no caso, onde a fazenda nacional insta em colocar como base de cálculo do Imposto de Renda sobre Pessoas Jurídicas – IRPJ – e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL – sobre lucro presumido, alguns impostos como o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação – ICMS – e o imposto sobre serviços de qualquer natureza – ISS.

Tudo isso decorre de uma interpretação equivocada da Constituição Federal a respeito da acepção do significado da expressão faturamento ou receita bruta. Teima a Fazenda Pública Nacional em colocar todo e qualquer ingresso de receita no caixa da empresa como faturamento, isto é, como receita bruta. Não bastassem os equívocos da Receita Federal, nossos Legisladores contribuem também para essa confusão.

Como podemos perceber, de fato, o Legislador infraconstitucional editou a Lei nº 12.973/2014, que alterou artigo 12 do Decreto-lei nº 1.598/77, e colocou como receita bruta (faturamento) o produto da venda de bens nas operações de conta própria, o preço da prestação de serviços em geral, o resultado auferido nas operações de conta alheia e as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica não compreendidas nas atividades anteriormente citadas. E mais, no parágrafo 5º do artigo 12 trouxe a seguinte redação: “na receita bruta incluem-se os tributos sobre ela incidentes e os valores decorrentes do ajuste a valor presente (...)”.

Pronto, está feita a confusão. Logo em seguida, veio a Instrução Normativa nº 1700/2017 e repetiu integralmente o disposto nessa lei inconstitucional, de modo que o contribuinte passou a ser tributado, de forma arbitrária e injusta, com receitas que apenas passam pelo caixa, sem jamais se destinarem ao patrimônio da empresa ou a qualquer aumento de riqueza.

Porém é falsa a afirmação de que tudo o que é ingresso de caixa equivale à receita bruta ou faturamento. Nesse sentido, podemos citar os ensinamentos do professor Roque Antônio Carrazza, que elucida o seguinte:

“(...) a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS leva ao inaceitável entendimento de que os sujeitos passivos destes tributos ‘faturam ICMS’. A toda evidência, eles não fazem isto. Enquanto o ICMS circula por suas contabilidades, eles apenas obtêm ingressos de caixa, que não lhes pertencem, isto é, não se incorporam a seus patrimônios, até porque destinados aos cofres públicos estaduais ou do Distrito Federal.”

Nem Lei ordinária, muito menos Instrução Normativa, podem alterar o conceito constitucional de faturamento. Tanto é que o plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu, em alguns julgados com repercussão geral, que o valor arrecadado a título de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte e, portanto, não pode jamais integrar a base de cálculo do PIS e da COFINS, que são duas contribuições que também se utilizam do faturamento para auferir o tributo.

Ora, por analogia, o ICMS e o ISS também não podem fazer parte da base de cálculo do IRPJ e da CSLL sobre o lucro líquido. Permitir tal monta, além de afrontar o que preconiza na nossa Constituição, também penaliza severamente o contribuinte, ferindo gravemente sua capacidade contributiva.

Por sorte, no Projeto de Lei nº 3.887/2020, que institui a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços – CBS, que é fusão do PIS e da COFINS, trouxe expressa referência à exclusão do ICMS da respectiva base de cálculo, indicando que, finalmente, a autoridade está se atentando para o conceito constitucional de faturamento e quer acabar de uma vez por todas com esse assunto.