Artigo - A Zona Franca de Manaus e seu inimigo não tão oculto

Artigo - A Zona Franca de Manaus e seu inimigo não tão oculto

Por Pedro Câmara Junior

Na última semana, um cliente do Polo Industrial de Manaus disse ter desistido de incrementar sua produção local. Ele pretendia fabricar motores para carros elétricos. A decisão partiu de sua direção internacional, ao enxergar a planta brasileira num momento de vulnerabilidade, associada a uma arrecadação descontrolada e ao enfraquecimento das prerrogativas da Zona Franca.

Uma notícia dessas é impactante sobre vários aspectos: (i) perde-se a oportunidade de modernizar a indústria do Amazonas; (ii) percebe-se que os efeitos da política de Déficit Zero começam a afastar investimentos internacionais; e, principalmente, (iii) do que adianta “salvar” a ZFM no texto da Reforma Tributária, se, na prática, a Administração federal pode miná-la de outras formas?

O caso em questão foi motivado pela Lei nº 14.789/23. Ela fez parte do pacote patrocinado pelo Executivo federal ano passado, na intenção de aumentar sua arrecadação tributária.

A normativa mudou por completo o tratamento dos incentivos fiscais caracterizados como “subvenção para investimento”, entre esses os de ICMS, concedidos às indústrias do PIM pela lei estadual 2.826/03 (a exemplo do crédito estímulo).

As normas anteriores, em especial o art. 30, da Lei 12.973/14, excluíam esses incentivos da apuração do lucro real. Como contrapartida, as empresas deveriam destinar a reserva desses incentivos ao aumento do capital social ou à absorção de prejuízos, vedada, de toda forma, sua distribuição aos investidores.

Com o novo regramento, o citado art. 30 foi revogado e os incentivos estaduais da ZFM não foram protegidos. Quanto ao passado não prescrito, as empresas que não tivessem observado as limitações impostas deveriam confessar seus débitos e aderir a um programa de autorregularização.

A Receita Federal do Brasil passou, então, a pressionar empresas do PIM para aderir a essa confissão de dívida quanto aos incentivos estaduais, a despeito de terem cumprido com suas obrigações, sob pena de fiscalizá-las.

O cliente do caso não aderiu ao programa, por entender ter cumprido com os limites do art. 30, mas, antes dessa decisão, recebeu três manifestações da RFB, exigindo documentações e insistindo em sua autorregularização, sem, contudo, indicar o erro cometido.

Qual é a empresa que se sente à vontade, sofrendo esse tipo de assédio, e que lhe julga devedora sem dizer o porquê? O resultado alcançado foi o descarte de Manaus como escolha para um novo investimento. Perde a ZFM e perde o Brasil.

Como outro fato, na semana antepassada, foi divulgado o texto que regulamenta a Zona Franca de Manaus no âmbito da Reforma Tributária, pelo qual se extrai que os benefícios regionais deixam de ter semelhança aos efeitos de uma exportação, como hoje prevê o art. 4º, do DL 288/67, e passam a ser tratados como um caso de alíquota zero.

Ambas não têm o efeito prático de desonerar a operação?

Sim, mas existe uma abissal distinção entre os efeitos jurídicos de uma exportação e de uma operação tributada com zero de alíquota, a começar com o fato da primeira ser considerada como hipótese de não incidência tributária, enquanto a alíquota zero identifica a operação como um fato que é tributável. A alíquota zero, inclusive, pode ser alterada e passar a ser de 2%, 10% etc.

Essa foi a discussão por anos dos advogados tributaristas em defesa da ZFM, com base no citado art. 4º, essencial a tantas teses que hoje são utilizadas por empresas locais, como é o caso da não incidência do PIS e da COFINS sobre as vendas internas (o que inclui indústrias, comércios e serviços).

Agora, restará aos nossos parlamentares compreender essa distinção e batalhar por um texto que não nos enfraqueça tanto.

Para quem trabalha com o Direito, parece ser claro o caminho adotado pelo governo federal, enquanto coordenador do texto encaminhado ao Congresso: permitir a permanência da ZFM por seu prazo constitucional, mas trabalhar seu enfraquecimento desde já.

Todo o contexto abordado serve para refletir se os caminhos traçados por Brasília guardam coerência com o seu discurso:

  • Afinal, a bandeira da Reforma Tributária era a de dinamizar a indústria nacional, o mesmo setor que, hoje, sofre os efeitos da fome leonina de sua arrecadação; e
  • Antes de assumir, o Presidente Lula assumiu o compromisso de manter nossa área de incentivo, que, num caso concreto, perde o interesse de investimentos internacionais justamente pela fragilidade que sua Administração Direta impõe à indústria regional.

Não é difícil concluir que um risco iminente ainda paira sobre a ZFM, aquela que hoje ainda é a grande força do nosso Amazonas, conforme verbalizado publicamente por autoridades estaduais, indicando que ainda somos um calo que o governo federal tenta expelir, ainda que adote uma política de “boa vizinhança”.